sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Só sei dançar com você


O som da televisão preenchia a sala melhor que qualquer conversa. Conversa é ruído e uma jornalista tão bonita certamente não tocaria em assuntos desagradáveis. Uma tragédia aqui, um imposto extra, que seja; nada próximo, nada que traga à barriga aquele desconforto de uma situação real. Renan olhava para a jornalista e se apagava a ela. Era sua prostituta, estava ali para dar prazer momentâneo e partir assim que ele gozasse. Riu da própria ideia. Imaginou a loira plástica na cama, satisfazendo suas vontades. O sexo terminaria num boa noite jornalístico. Quis compartilhar a piada com o irmão, mas se lembrou de que ela não seria engraçada para Rui. Rui não levaria a loira para a cama, afinal de contas. Talvez se convertesse a comparação para encaixar o jornalista? Sentiu aquele desconforto na barriga. Decidiu acompanhar o noticiário calado. Incêndio em boate já fez mais de duzentas vítimas, e outras trinta estão em estado grave. Rui fungou, e Renan ajeitou o travesseiro em resposta.  Estava deitado no sofá, de frente a televisão. O irmão sentava no chão, encostado na parede. Via as imagens no aparelho e não conseguia juntar as coisas pra que fizessem sentido. Tentou várias vezes fazer piada com alguém da TV; sabia que Renan era fácil em rir. Não conseguiu, no entanto. Cardiais se reúnem para a eleição de um novo Papa e...

- papa-anjo, só se for. – e tentou olhar para Rui, sentado no chão.

Riram. Não como antes; nada seria como antes. Renan não tocaria o irmão por um bom tempo. Seria estranho, não seria? Dois homens se tocando. Antes eram dois irmãos, agora dois homens. Era assim que Renan se comunicava melhor, sentindo a pele – não mais com Rui. Tudo havia mudado. O contato deveria ser por palavras, nada mais. Só dessa forma não despertaria coisas desagradáveis no irmão. Dois homens se tocando. O estômago de Renan parecia diminuir, a sensação na barriga mais forte. Rui sabia que o silêncio do irmão era anormal, e aquele sorriso também. Tentou imaginar os absurdos que perpassava agora a mente dele. Atrocidades, com certeza. Renan sempre demonstrara um falso respeito com gente feito Rui, mas na intimidade usava piadas para deixar claro sua opinião sobre as coisas. Tinha asco, e agora com certeza tudo estava direcionado para Rui, o exemplar mais próximo. Próximo demais, na verdade. O jornalista tinha cabelos grisalhos, Renan observou, mas não era velho. Havia algo forte em sua aparência, talvez pela forma da mandíbula tão bem desenhada. Pensou em perguntar a Rui o que achava dele. Do jornalista, não dele-Renan. Afinal eram irmãos; irmãos não acham nada um do outro. Não deveriam achar. Rui achava o irmão mais velho muito mais esperto e obstinado. Admirava isso e, muitas vezes, invejava. Queria conseguir terminar as coisas como ele terminava. Renan mal tinha vinte e já carregava um diploma de técnico em mecânica. Enquanto isso, Rui ainda tentava decidir qual curso seguir na faculdade – Letras ou Geografia.  INP divulga lista dos cursos do futuro – engenharia e tecnologia dominam lista. Rui riu com a coincidência e com o seu belo futuro. Renan olhou para baixa mais uma vez, e não riu junto. Rui era confuso, mas era o mais bonito dos dois. Renan franziu o cenho ao chegar a essa conclusão. Eles eram parecidos, mas o mais novo sempre chamara a atenção das garotas na escola. De fato deveria ter suspeitado de tudo muito tempo atrás; Rui sempre as rejeitou carinhosamente. Havia confusão na sua mente. Olhou novamente para baixo, de testa franzida, absorto em seus pensamentos.
- O que?
- Disse nada – respondeu Renan.
- Então olha ai pra TV – e atirou no irmão as gotas de água que restavam em um copo ao seu lado.
- Viado – xingou Renan, rindo e limpando o rosto.  – Desculpa. Não quis...
Rui balançou a cabeça e fingiu jogar mais água.
- Sem bronca.
Ainda se olhando, os dois finalmente se viram. Poucas coisas poderiam separar os dois; talvez nada, até. Renan levantou com o travesseiro na mão – cara de mau.
- Tem bronca sim, cara.
Rui escondeu o rosto nos joelhos dobrados, rindo e xingando enquanto Renan tentava puxá-lo para sufocá-lo no travesseiro. Rui tentou, mas o outro sempre fora mais forte.  Finalmente ergueu a cabeça, lacrimejando de riso. Parou quando sentiu os lábios de Renan tocarem os seus. Por sete segundos seu coração fez mais barulho que a TV.
- Sem bronca – Rui falou enquanto seu irmão o olhava ainda de lábios úmidos.

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