O som da
televisão preenchia a sala melhor que qualquer conversa. Conversa é ruído e uma
jornalista tão bonita certamente não tocaria em assuntos desagradáveis. Uma
tragédia aqui, um imposto extra, que seja; nada próximo, nada que traga à barriga aquele desconforto de uma situação real. Renan olhava para a jornalista
e se apagava a ela. Era sua prostituta, estava ali para dar prazer momentâneo e
partir assim que ele gozasse. Riu da própria ideia. Imaginou a loira plástica
na cama, satisfazendo suas vontades. O sexo terminaria num boa noite jornalístico. Quis compartilhar a piada com o irmão, mas
se lembrou de que ela não seria engraçada para Rui. Rui não levaria a loira
para a cama, afinal de contas. Talvez se convertesse a comparação para encaixar
o jornalista? Sentiu aquele desconforto na barriga. Decidiu acompanhar o
noticiário calado. Incêndio em boate já
fez mais de duzentas vítimas, e outras trinta estão em estado grave. Rui
fungou, e Renan ajeitou o travesseiro em resposta. Estava deitado no sofá, de frente a televisão.
O irmão sentava no chão, encostado na parede. Via as imagens no aparelho e não
conseguia juntar as coisas pra que fizessem sentido. Tentou várias vezes fazer
piada com alguém da TV; sabia que Renan era fácil em rir. Não conseguiu, no
entanto. Cardiais se reúnem para a
eleição de um novo Papa e...
-
papa-anjo, só se for. – e tentou olhar para Rui, sentado no chão.
Riram. Não
como antes; nada seria como antes. Renan não tocaria o irmão por um bom tempo.
Seria estranho, não seria? Dois homens se tocando. Antes eram dois irmãos,
agora dois homens. Era assim que Renan se comunicava melhor, sentindo a pele –
não mais com Rui. Tudo havia mudado. O contato deveria ser por palavras, nada
mais. Só dessa forma não despertaria coisas desagradáveis no irmão. Dois homens
se tocando. O estômago de Renan parecia diminuir, a sensação na barriga mais
forte. Rui sabia que o silêncio do irmão era anormal, e aquele sorriso também.
Tentou imaginar os absurdos que perpassava agora a mente dele. Atrocidades, com
certeza. Renan sempre demonstrara um falso respeito com gente feito Rui, mas na
intimidade usava piadas para deixar claro sua opinião sobre as coisas. Tinha
asco, e agora com certeza tudo estava direcionado para Rui, o exemplar mais
próximo. Próximo demais, na verdade. O jornalista tinha cabelos grisalhos,
Renan observou, mas não era velho. Havia algo forte em sua aparência, talvez
pela forma da mandíbula tão bem desenhada. Pensou em perguntar a Rui o que
achava dele. Do jornalista, não dele-Renan. Afinal eram irmãos; irmãos não
acham nada um do outro. Não deveriam achar. Rui achava o irmão mais velho muito
mais esperto e obstinado. Admirava isso e, muitas vezes, invejava. Queria
conseguir terminar as coisas como ele terminava. Renan mal tinha vinte e já
carregava um diploma de técnico em mecânica. Enquanto isso, Rui ainda tentava
decidir qual curso seguir na faculdade – Letras ou Geografia. INP
divulga lista dos cursos do futuro – engenharia e tecnologia dominam lista. Rui
riu com a coincidência e com o seu belo futuro. Renan olhou para baixa mais uma
vez, e não riu junto. Rui era confuso, mas era o mais bonito dos dois. Renan
franziu o cenho ao chegar a essa conclusão. Eles eram parecidos, mas o mais
novo sempre chamara a atenção das garotas na escola. De fato deveria ter
suspeitado de tudo muito tempo atrás; Rui sempre as rejeitou carinhosamente.
Havia confusão na sua mente. Olhou novamente para baixo, de testa franzida,
absorto em seus pensamentos.
- O que?
- Disse
nada – respondeu Renan.
- Então
olha ai pra TV – e atirou no irmão as gotas de água que restavam em um copo ao
seu lado.
- Viado –
xingou Renan, rindo e limpando o rosto.
– Desculpa. Não quis...
Rui
balançou a cabeça e fingiu jogar mais água.
- Sem
bronca.
Ainda se
olhando, os dois finalmente se viram. Poucas coisas poderiam separar os dois;
talvez nada, até. Renan levantou com o travesseiro na mão – cara de mau.
- Tem
bronca sim, cara.
Rui
escondeu o rosto nos joelhos dobrados, rindo e xingando enquanto Renan tentava
puxá-lo para sufocá-lo no travesseiro. Rui tentou, mas o outro sempre fora mais
forte. Finalmente ergueu a cabeça,
lacrimejando de riso. Parou quando sentiu os lábios de Renan tocarem os seus.
Por sete segundos seu coração fez mais barulho que a TV.
- Sem
bronca – Rui falou enquanto seu irmão o olhava ainda de lábios úmidos.
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