Harlem
Shake é o apogeu de uma sociedade que não sabe para quê existe;
desconhece suas próprias razões e, inda mais grave, não se importa
em procurá-las. Enfatizo que o ridículo dessa manifestação não
me incomoda. Tzara e Ball foram, a seu modo e tempo, ridículos. Mas
há quem duvide, hoje, de sua intenção rebelde e de seu valor
artístico?
O
ridículo que não desafia, que não constrange nem modifica atos é
apenas uma distração passageira. Eu riria de Harlem shake; talvez
até fizesse um Harlem Shake com os amigos loucos (e ridículos) que
tenho. Mas há um problema, pois nossa civilização vem produzindo
Harlem Shakes e Harlem Shakes. Apenas distrações que se espalham
como uma doença, deixando-nos débeis e passivos. Ouso ir contra o
discurso atual de que a internet criou produtores. Na verdade, parece
que temos um exército de receptores-copiadores. Os produtores
continuam poucos e regentes dos costumes, enquanto esses
receptores-copiadores se sustentam na ilusão de criar e inovar. O
Facebook, grande e velho Harlem Shake, ao qual tive o desprazer de
usar por alguns anos, é um amontoado de repetição e humor
desgraçado. A grande Ágora do mundo contemporâneo está mais para
feira, tão bárbara com seus clientes que se autodenominam
comerciantes, mas vendem produtos nada artesanais, efêmeros e de
pouco valor.
Criamos uma era letárgica e preguiçosa, que
teimosamente insiste em se mostrar revolucionária e ousada. De Masi,
em seu Ócio Criativo,
prevê que o tempo livre há de se tornar mais presente em nossas
vidas. Segue dizendo que, devido a industrialização e – aqui
acrescento eu – futura robotização da produção, restará para
os humanos se ocupar com o criativo, com a arte e o lazer.
Mas
com Harlem Shakes não estamos sendo criativos, não fazemos arte e
nem mesmo criamos formas duradouras e proveitosas de lazer. E para
quem vier me dizer – A internet está repleta de coisas
maravilhosas e que podem fazer a diferença! – concordo. No
entanto, tem de se procurar por essas maravilhas com tanta minúcia,
nos guetos dessa viela chamada internet. Ainda, por outro lado, nos
afogamos no que se repete, e o que é ruim e sem valor, este surge
bem na nossa cara, nos atropela. Não procurei Harlem Shake, me
impuseram Harlem Shake. Vi porque já não havia como ignorar, mas
gostei de ter visto porque o buraco da mediocridade que estamos
lentamente cavando apareceu, finalmente, para mim.
Espero
não cair nele; se já, lancem-me uma corda.
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