domingo, 4 de agosto de 2013

O meio


Uma história é sempre o meio: não há como ser início nem final. É certo que toda história tem seu começo e seu término, mas não passa disso: é o seu, não o de um todo.
Tomo por exemplo Mrs Dalloway, espécime perfeita para uma analogia. O romance se dá início com a decisão de comprar flores numa manhã quente de julho e termina na noite do mesmo dia. Mrs Dalloway tem ai seu começo e seu final, mas é o meio de uma história tão maior, uma história apenas percebida – nunca contada. Há o dia em que Dalloway decidiu fazer uma festa, há o momento em que Peter Walsh voltou da Índia, haverá um enterro, por certo, que nunca nos será mostrado; não por Woolf. Talvez por nós mesmos, se o quisermos. E qual leitor, por mais atento, por mais Cândido que seja, saberá daquele beijo proibido num navio e da moça que o sofreu? Porque tal beijo é parte de outro meio – outra história que por acaso nos foi contada¹.
Literatura, assim vista, não constituída de inícios e fins mas de meios contínuos, se mostra irmã da realidade; talvez a arte menos arte de todas, por querer ser crua e cruel como a própria vida. E como na vida, sabe-se tão pouco de tanta coisa e de tanta gente que nos resta preencher lacunas com interpretações. Afinal, não dispomos da visão do todo, nunca; seja em vida ou em literatura.
Nem mesmo Joyce e Sabino, entre retratos e encontros, narrando começos ou finais, saberiam o paradeiro de todos os seus filhos imateriais. Um deles, muitos deles se perdem no meio em que estavam e vão criando seus começos. Literatura se torna viva desse jeito. Personagens se tocam e se repelem, e o bom leitor sabe que a boa história pesa porque é densa demais para suas próprias páginas.
Beira a maldade – dão-nos só o Cristo, enquanto nos escondem Gênesis e Apocalipse. Contam-nos o meio, apenas; porque é só o que se tem para contar. Volto a Sabino, ainda que parcamente modificado: de tudo ficam três coisas: a certeza de que se está sempre começando, a certeza de que é preciso continuar e a certeza de que será interrompida antes de terminar.
Talvez por isso reneguemos o era uma vez ao passado. Hoje: era uma dentre tantas vezes.

Um comentário:

  1. caramba, mt massa,
    comecei a pensar nisso, de forma menos poética e linda, dps q vc me falou melhor sobre o dialogismo,
    de fato. e agora mais q nunca vou continuar com os diários das estórias.
    enfim, nem estou em sã consciência p fazer qlqr comentário, mas os hormônios falam mais alto e não me deixam sair daqui sem comentar kkkkkkkk
    mt massa ♥

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