quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Ao mestre Caeiro, com carinho

A flor que em meu jardim
nasceu nada me diz.
mas tu me dizes que meu jardim
n'é meu. E que a flor
                           [que não é minha, nem dela própria]
nada quer me dizer, porque nada
diz a ninguém.

quero ouvi-la, Caeiro
mas vejo e só vejo
e não me é satisfatório observar
apenas. E sei que para ti
ver é tudo que se pode ter.

mas e a cor da flor?
não há? Tal qual a borboleta que
é só [e isso é muito] uma borboleta?

deixaste-me confusa, Caeiro
tão confusa com tua falta de filosofia
tua profunda e complexa simplicidade de ver
o que se pode ver e nada mais.

talvez não te entenda, como não entendo
muito na vida
              [na minha vida e na dos outros]
e por isso sou sofrida e cansada
sou falsa poeta
                     [poetisa, Caeiro?]
porque quero que minha flor
não, a flor da flor dela mesma,
me dirija sua palavra suave e me
acalente e me guarde.

Caeiro, em tua paz e indiferença pacífica
me destruístes e estou ainda a me remontar,
mas dançarei sobre tua cova após a missa ao orixá
e a homenagem da flor a ti será
somente um silêncio respeitoso.

Manoela Hister




domingo, 7 de outubro de 2012

Asmaria

febril.
tossindo um monstro
que se recusa a sair.
fincado com seus
dentes de ar e
de ausência de ar.

Quem dera fosse
calor de amor,
suor de ardor
se o peito doesse
por um coração partido.

pulmão não é poético,
é profético:

grita morte,
lentamente morte,
devagar, quase sem ar.

as marias, todas elas,
chorarão por mim.
as marias da homeopatia.
as marias da psiquiatria.

somente elas,
as outras marias,
sorrirão,
levando o ar
que me restar.