sábado, 19 de junho de 2010

Orkut, Xadrez e Saramago

Hoje, ao abrir o Orkut e ir para a minha página de recados, vejo o seguinte:
"Uma vez me disseram que obras desses escritores os deixam imortais, mas pq vc pede que eles não morram?"

A pergunta feita por Orlando, grande amigo meu,  foi motivada pela minha afirmação no status do site:

"Moacyr Scliar, Ursula K. Le Guin, Fernando Veríssimo! Não morram, por favor! Ou só nos restará Stephanie Meyer, Mag Cabot e Paulo Coelho..."

Disse isso porque tentava exprimir o que senti ao saber da morte de José Saramago. Dizer que foi um vazio seria demais, já que li apenas um livro dele, As Intermitências da Morte. Mas algo me tocou profundamente porque Saramago representava algo maior que a literatura. 
Ele representava uma cultura intelectual , um poder de pensamento que se extingue cada vez mais rápido nesses dias. Com sua morte, parece que o mundo deu um solta muito alto à total futilidade.
Claro, você diz que isso é exagero! Intelectuais há muitos por aqui, gente inteligente é o que não falta! 
Mas Saramago era de uma visibilidade tremenda! Até aqueles que não tinham contato com literatura alguma o conheciam. 

Isso, para mim, significa mais uma perda de visibilidade para o mundo literario. 
Imagine um jogo de xadrez onde há pessoas que pensam versus pessoas que 'tem'. Entenda por 'tem', os famosos, as celebridades, os ricos e belos habitantes da Tv. Ou seja, as pessoas que tem dinheiro, beleza e fama, mas não pensam.
Enquanto o time dos 'tem' avança cada vez mais no tabuleiro, conquistando fãs ensandecidos, popularidade global e espaço, os que pensam perdem campo. Porque são tachados de chatos, monótonos e hipócritas. 


E então voltamos para o começo do post:
"Uma vez me disseram que obras desses escritores os deixam imortais, mas pq vc pede que eles não morram?"

Porque enquanto eles vivem, eles criam!
Após a morte eles vivem sim em suas obras, mas estão cristalizados nelas. Eles não produzem mais nada, a não ser inspiração naqueles que os leem.
Enquanto isso, aparecem a cada dia mais e mais escritores do tipo que se preocupa mais com a vendagem do que com o sentido que a história possa ter.
E mais uma vez no tabuleiro o time dos que pensam sai perdendo. Porque além da Tv, de boa parte da internet, de revistas e até o rádio, surgem agora livros sem conteúdo.
Livros que não fazem mais raciocinar, só desejar.

É por isso que eu pedi para Moacyr Scliar, Ursula Le Guin e Veríssímo não morrerem. Foi uma tentativa metafórica de preservar aquilo que eu acho importante. Porque tenho medo que ninguém venha os substituir. E eu, e muitos outros, estejamos condenados à total futilidade literaria.

Sem mais, um grande adeus a Saramago.

2 comentários:

  1. o próximo não poder se Ferreira G. pelAmorDeus!
    -haushasu
    yuri, essa do xadrez foi além
    adooorei o post, adorei a resposta, adorei o blog;)

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  2. É no mínimo dicotômica a morte de um grande escritor. De um lado a pequena sociedade letrada chora a perda de um ícone. De outro,fica feliz pelo legado deixado para a cultura, neste caso literária, mundial. Não acredito na versão de que o escritor fica cristalizado em suas obras depois que falece. No sentido literal da palavra sim. Mas no figurado não. Jamais um bom autor estará morto depois de do óbto. Estanho isso né? Carlos Drummond, escreveu com maestria um verso que diz: as palavras têm "mil faces sob a face neutra". Claro que só é digno destas palavras aqueles que foram ou são bons. Será que o ganhador do prêmio nobel não está entre estes? O legado literário deixado pelo José Saramago está vivo, assim como o escritor. A cada lida nas suas obras haverá, e disso não tenho dúvidas, uma visão nova, um aspecto novo, levando o escritor português a não estar morto nunca. Claro que no sentido figurado.

    Quando se pensa em bons escritores mortos, lembro da também grande Clarice Lispector, esta morreu em 1977. Em 77? Como, se estive com ela esta noite? Ela me contou agora a pouco a história de Macabéia. Eu já sabia desta novela, mas ela me disse coisas novas. Estará ela morta? Mas antes de Clarice vieram "n" outros, que, como é lógica da vida, também "subiram". Fernando Pessoa está morto? Logo ele que foi tantos sendo um. Camões morreu no século XVI, "Os Lusíadas" e outros poemas dele falam comigo até hoje. Tão atemporais. E eis aí uma característica dos bons, o não-tempo nos seus escritos. Exceção a alguns épicos.

    Enfim, ler o conto "O Ovo e a Galinha" da Clarice Lisepctor é ter várias novas visões a cada leitura. É como se ela estivesse ali, viva, contando-me os maiores e menores segredos daquilo que ela escreveu há anos, mas é vivo. Com o escritor português Saramago acontece o mesmo fenômeno. A cada lida, um novo Saramago. Morto? Não! Ninguém morre tendo novas informações a cada contato. Quando morre, morre. Dando um pouco de espaço a morte no sentido literal, Camões morreu, Camilo Castelo Branco nasceu. Gregório de Matos morreu, Tomás Antônio Gonzaga nasceu. José Saramago morreu,...

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