Há
uma estranha melancolia pairando no mundo. E o mundo cada vez mais
vazio. Cada vez maior. Ontem minha mãe se foi, afogada. Antes dela,
meu irmão. Meu pai dirige o carro nesse momento, chorando calado. Só
há árvores lá fora passando como um só borrão verde. O carro vai
rápido; o vírus vai mais rápido ainda.
A
contaminação começou há dois meses em algum lugar na Suíça.
Hoje não há mais ninguém lá. A Europa, de um modo geral, já não
mais é. Oceania já não mais é. Ásia, África, América. Todos
morremos pacificamente, porque não podemos lutar contra nossa
própria vontade.
O
ar cheira a desejo de morte. Para os contaminados, todo objeto é
tentador. Toda dor é glória e se vai feliz. Isso é para mim o mais
estranho nessa doença desconhecida: não há tristeza nem choro, só
impulso. Por isso sei que dela ainda não sofro. Minha tristeza em
ver o homem definhar é natural, e ainda choro. Meu pai dirige o
carro, mas parou de chorar há cerca de uma hora. Mantém o olho fixo
na estrada. Quase não pisca.
Acho que sou imune. Só isso explicaria a capacidade de
permanecer em tão demorado contato com pessoas infectadas e não
compartilhar do mesmo comportamento doentio. Na verdade, há duas
semanas que presenciei o primeiro caso da doença. Desde então tenho
visto toda sorte de manifestações. Tudo, no entanto, pareceu real
quando meu irmão quebrou o espelho e tingiu
o banheiro de sangue.
Meu
pai parou o carro há quinze minutos. Não largou o volante, não me
olhou. Somos dois, mas apenas eu estou aqui. Minha mãe resistiu a
morte de meu irmão como uma guerreira, mas é disso que o virus se
alimenta. Coragem, vontade. Talvez me falte naturalmente tais coisas,
por isso sobrevivo.
Estou
sozinho. Meu pai está no meio da pista molhada, em frente ao nosso
carro, esperando que ele venha em sua direção. Cinco, dez minutos.
A pouca consciência que ainda resta o alerta de que o fim não
chegará por aquele meio. Saio andando em busca de sua fatalidade
particular.
Eu
saio do carro. Sinto que sou o último homem farfalhando na Terra.
Sei que estou na mesma posição há vários minutos. Parado ao lado
da porta aberta. Há um cansaço que pesa, que não me permite mover.
Não
estou infectado por esse vírus. Não por esse. Parece que andei por
quilômetros, ou simplesmente apareci no meio desta ponte. O vento é
tão forte quanto eu. Quem dera eu sentisse a água uma última vez.
Mas será tarde quando eu atingi-la.